segunda-feira, 27 de junho de 2011

A Sexualidade na Escola


"Educação Sexual" ou "Educação para os Afectos"?

Abordar a sexualidade na escola não é fácil. Devia sê-lo, mas não é. "Falar de sexualidade é difícil porque imaginamos sempre coisas associadas a ela que nos levam a ficar com vergonha. Se calhar é por isso que os professores não estão à vontade para conversar connosco". Quem o afirma é a Mariana, 17 anos, estudante do 11º ano, que naquela tarde estava sentada com mais dois amigos, a Cláudia e o Pedro, na escadaria fronteira à escola. Não foi difícil falar com eles. Pareceram partilhar as suas opiniões com gosto e dizer o que provavelmente muitas vezes fica por dizer. 
O Pedro, um ano mais velho do que a Mariana, acha que aprendeu mais a falar com os amigos e os colegas sobre os temas que se relacionam com a sexualidade do que na escola. "Aqui fala-se principalmente dos perigos das doenças sexualmente transmissíveis, dos métodos contraceptivos e pouco mais". Oculta-se, na sua opinião, o que por vezes é mais importante: satisfazer a curiosiosidade, questionar sobre se determinados comportamentos são considerados "estranhos" ou se "faz mal à saúde" praticar determinado tipo de sexo. "Acho que é como a Mariana disse: as pessoas talvez tenham vergonha ou achem mais natural falar disso com os amigos, não sei...". 
"Os rapazes deviam saber qual é a sensação de uma mulher ter um filho... Talvez assim dessem mais valor à maternidade", opina a Cláudia. Apesar de concordar que passar pela mesma experiência será um pouco difícil, ela pretende demonstrar que o facto de "eles" desconhecerem o funcionamento biológico da mulher leva-os, muitas vezes, a adoptarem certos "comportamentos irresponsáveis". 
Há dois anos trabalharam a sexualidade como tema na área-escola. O resultado parece ter sido encorajador, mas não houve continuidade. "Foi engraçado porque pudemos pesquisar sobre determinados assuntos e expô-los abertamente aos outros. Na altura falamos bastante sobre o assunto, mas depois nunca mais o abordamos", diz a Cláudia. "Foi a primeira vez que soube como realmente funcionava o aparelho reprodutor feminino, o ciclo da menstruação e outras coisas. Mas acho que ficou muito por perguntar...", afirma, por seu lado, o Pedro.
Um pouco mais jovens do que os seus colegas - frequentam o nono ano e têm todos quinze anos -, a Mariana, a Ana e o Domingos estão à volta de uma mesa do bar jogando cartas. Talvez por isso seja patente a sua apreensão inicial em falar sobre o assunto. Como é que a educação sexual devia ser abordada na escola? "Nunca tinha pensado nisso", diz a Mariana - esta de apelido Raquel -, desviando o olhar para os colegas e soltando um pequeno riso. "Aqui na escola só aprendi educação sexual nas aulas de Religião e Moral", responde por seu turno a Ana, que, apesar disso, não hesita em afirmar que já sabe "quase tudo" o que há para saber. 
O Domingos, pelo contrário, considera que devia haver uma hora semanal para discutir os assuntos ligados à sexualidade. "Às vezes há perguntas que temos vergonha de fazer aos nossos pais e às quais os amigos também não sabem responder. Nessa altura dava jeito. Mas não devia contar para avaliação nem ter faltas", refere.
Os depoimentos recolhidos junto destes alunos de dois estabelecimentos de ensino do Porto, permitem demonstrar, pelo menos em parte, que a educação sexual nas escolas é ainda um tema pouco divulgado. Isto, apesar de a educação sexual se encontrar regulamentada desde 1984, pela lei nº3/84, bem como pela Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986. O ano passado, as garantias do direito à saúde reprodutiva foram reforçadas pela Lei nº120/99 e, segundo o Plano Interministerial para a Educação Sexual e para o Planeamento Familiar, prevê-se que até 2003 cerca de 90 por cento dos alunos deverá receber formação nas áreas da sexualidade humana, fisiologia da reprodução, doenças sexualmente transmissíveis, relações interpessoais e planeamento familiar. 
Uma meta tanto mais importante quando se sabe que Portugal é o país da União Europeia com maior número de mães menores de idade. Apesar deste número ter vindo a decrescer nos últimos anos, só em 1997, segundo números fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística, cerca de 2500 adolescentes - entre os doze e os dezassete anos - foram parturientes, sendo que a larga maioria não retorna à escola.
Investir na formação dos professores
Apesar de ter uma importante função preventiva, a educação sexual não devia cumprir um papel meramente informativo. "E o erro está aí, ao continuar a achar-se que a informação é o mais importante. Não é, porque os adolescentes têm a informação e não a usam." , diz Emília Costa, psicóloga e professora da Faculdade da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação do Porto. O mais importante, sublinha, é o "desenvolvimento do indivíduo no respeito por si próprio e pelo outro". Daí considerar que deva falar-se mais em "educação para os afectos" - onde, a par com aspectos de ordem prática, se dê particular ênfase às relações interpessoais - do que reduzir o conceito a "educação sexual". 
Mas mais do que orientar-se preferencialmente por uma ou outra abordagem, o fundamental, defende, é que a escola, desde a pré-primária à universidade, defina com coerência os objectivos que pretende atingir. Mas as escolas, afirma, "não têm objectivos e cada professor tende a actuar de forma isolada". "Assim, como é possível os alunos sentirem-se inseridos num contexto, quando não há uma identidade própria ou uma estratégia concertada?", questiona-se.
A formação de professores é uma das áreas mais importantes para o sucesso dessa estratégia. Uma necessidade premente, demonstrado, nomeadamente, pelo crescente número de pedidos que a Associação para o Planeamento da Família (APF) tem vindo a receber para formação ou apoio a projectos de educação sexual nas escolas, inclusivamente nos estabelecimentos do 1º ciclo do ensino básico, embora nestes com menos frequência. A formação de formadores tem sido uma das principais apostas da instituição, tanto como meio de suprir a carência de formadores disponíveis como forma de aumentar a qualidade da resposta. Paralelamente a estas acções, também as escolas superiores de Educação e as universidades têm vindo a ser solicitadas no sentido de incluirem temas de educação sexual e Formação pessoal e Social nos curriculos dos diversos cursos, quer no que respeita à formação inicial, quer à formação contínua. ESE's como a de Setúbal ou do Porto, entre outras, começaram já a organizar formação nesta área.
Seja por falta de preparação ou por desconhecimento de causa, o facto é que muitos professores continuam a ter dificuldades na abordagem da sexualidade. Para ilustrar esta afirmação, Emília Costa recorre a um exemplo extremo, mas bem ilucidador do que pode suceder quando o professor não se encontra convenientemente preparado para lidar com determinadas situações na sala de aula. Uma história que, confessa a própria, a chocou bastante: "A meio de uma aula uma adolescente foi menstruada e não se apercebeu do facto. Os colegas começaram a rir-se e a professora, ainda jovem, não reagiu de forma positiva, perguntando-lhe, ao contrário do que seria de esperar, se a mãe nunca lhe tinha ensinado a andar protegida". 
São exemplos como este que levam a psicóloga a concluir que o tipo de abordagem utilizada não se encontra relacionada com a idade ou com a formação pessoal de cada docente, mas está dependente, em grande medida, da motivação e da sensibilidade em relação aos problemas e à forma de lidá-los. Factores, reconhece, que uma formação adequada pode ajudar a desenvolver. É por isso que quando um aluno diz um "disparate" na aula, o professor, em vez de o convidar a sair, devia aproveitar a circunstância para abordar o assunto de uma "forma educativa", sugere.
"Os professores esquecem-se muitas vezes que são ao mesmo tempo pais. Se eles pensassem nos alunos nos mesmos termos que os filhos, como reagiriam? Por outro lado, se se lembrassem do seu período de adolescência, o que faziam, o que questionavam, os medos e as angústias que experimentaram, concerteza se sentiriam mais próximos dos sentimentos dos alunos".
Envolver os pais
Mas não devem ser apenas os professores os alvos destas acções de sensibilização e formação. Os encarregados de educação, enquanto actores centrais no processo de aprendizagem e da formação pessoal dos jovens, são também eles confrontados com situações às quais não sabem, por vezes, como reagir, questionando-se frequentemente de que forma podem ajudar os filhos. "Não é preciso tirar nenhum curso", refere Emília Costa. "Basta que falem do que sabem com naturalidade e abertura". 
Neste sentido, a Associação de Pais da Escola Secundária da Maia, desenvolve, desde final de 1998, diversos programas de sensibilização para as questões da adolescência, de entre os quais se destaca uma acção de formação destinada exclusivamente aos encarregados de educação. "Elos de Intimidade", assim se chama a iniciativa, leva, uma vez por semana, os pais de três turmas do oitavo ano daquela escola a encontrarem-se para debater os mais variados temas ligados à sexualidade, recebendo formação, entre outras vertentes, na área da comunicação com os filhos.
"Pretendemos principalmente que os laços de comunicação sejam facilitadores da relação entre pais e filhos", refere Luísa Costa, presidente da Associação de Pais e dinamizadora da iniciativa. A taxa de participação não é muito elevada - cerca de trinta por cento do total de encarregados de educação assistem às reuniões -, mas esse não é um aspecto que a preocupe. "Não nos interessa formar grandes grupos porque não seguimos uma estratégia do tipo explanativa, apostamos mais na dinâmica de grupo, lançando questões que são posteriormente discutidas entre todos". 
Partindo da sua experiência, Luísa Costa diz que a sexualidade continua a ser um tabu, seja a nível pessoal, seja na relação entre os casais. "Como não o havia de ser entre pais e filhos?", pergunta-se. Mas o trabalho parece estar a desenvolver frutos. Após três encontros, Luísa Costa afirma que a evolução deste grupo foi extraordinária. "Já há uma ligação mais forte entre os participantes, as pessoas falam abertamente, gracejam... houve inclusivamente quem me pedisse para levar as irmãs, as cunhadas ou os amigos. E isto demonstra a vontade dos pais quererem aprender mais para saber como lidar com os respectivos filhos". 
Um exemplo, entre tantos outros que se começam a generalizar, indispensáveis para mudar as mentalidades dos adultos e daqueles que ensinam as crianças. "A sociedade portuguesa ainda está muito virada para si própria. Ainda se acredita que ser pai e mãe é qualquer coisa de instintivo e natural, mas é uma das tarefas mais difíceis com que o ser humano é confrontado", refere, por seu lado, Emília Costa. Daí considerar que uma boa parte do trabalho deva ser desenvolvido juntos dos adultos, pais e sociedade em geral, tentando alterar valores que já não se adaptam à actual forma de vivência dos adolescentes: "Somos regidos por valores paradoxais e queremos que os jovens os assumam".

Ricardo Jorge Costa

Fonte:http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=89&doc=7175&mid=2

domingo, 26 de junho de 2011

REGRAS SÃO REGRAS!




Regras são regras. Vivemos em um mundo cheio delas, fazer o quê? Parece, contudo, que muitos estudantes querem porque querem desrespeitar as regras das escolas onde estudam.
O uso de uniforme é uma das maiores causas de problemas. Chamar o que usam hoje em dia de "uniforme" já seria um exercício de boa vontade em si, mas nem o pouco que eles têm que usar (uma camiseta) é usado. E isso acontece em várias escolas! As meninas cismam em enrolar a blusa, deixando a barriga à mostra. Os rapazes colocam outra camisa por cima, um saco!
E o boné, então? Não faz parte do uniforme! Em uma de minhas escolas, de ensino fundamental, os responsáveis assinam um documento proibindo o uso de bonés na escola, mas é o mesmo que nada. A garotada usa e não tem conversa! Aí rola aquele estresse, pois os professores são cobrados pela Direção e não podem permitir que alunos fiquem em sala de boné. Perde-se um tempo precioso de aula com discussões desnecessárias!
Sexta-feira passada rolou um baita estresse na escola do Estado. Eu estava passando aos alunos as decisões tomadas pela Direção em relação ao uso dos bonés e também à prática de "adiantar tempo" quando um professor falta. Até que a Direção foi flexível quanto ao uso de bonés: permitiu os de cor azul ou preta. Vermelho ou outras cores berrantes, nem pensar! Diante dessa decisão (da Direção, repito), eu pedi aos alunos que não estivessem de boné azul ou preto que tirassem os mesmos. Aí, para minha surpresa, um rapaz que usava um boné vermelho levantou-se e saiu, sem ao menos me pedir autorização para tal. Achei isso uma grande falta de respeito e fui atrás do cidadão, que me disse que preferia sair a ter que tirar o boné. E não tirou! Falei para ele voltar para a sala de aula, mas ele se recusou. Precisei chamar a diretora da escola, que foi à sala e conversou com a turma, levando, em seguida o aluno rebelde para uma conversa na sala da Direção.
Gente, na boa, às vezes eu acho que coisas assim acontecem porque há um pensamento, por parte dos alunos, de que professores e estudantes estão em lados opostos. Fazem de tudo para provocar os professores e desestabilizar as aulas. Não entendem que estamos lá para que eles tenham alguma bagagem para o futuro e tenha condições de enfrentar os problemas da vida. Eu penso que eles teriam muito mais a ganhar se discutissem os assuntos relativos às aulas, tirando dúvidas e procurando aprender alguma coisa. Uma pena, pois os que realmente querem estudar é que são prejudicados! E as regras estarão lá fora, na vida, queiram ou não!


Quem tem medo dos professores?



Trata-se de uma conhecida obviedade: que educação de qualidade depende da qualidade do trabalho dos educadores e das condições nas quais ele se realiza. Mas apesar de óbvio, toda vez que se pretende avançar nessa direção, imediatamente surgem reações contrárias. É o que está acontecendo atualmente em torno da inserção do chamado piso salarial nacional do magistério da educação básica pública, instituído pela Lei 11.738 de 2008.
Quatro governadores de Estado ingressaram com uma ação direta de inconstitucionalidade - e conseguiram que o Supremo Tribunal Federal suspendesse partes da Lei, especificamente aquelas que tratam da ampliação das denominadas “horas de atividades”. Assim é que, por enquanto, está sem efeito o dispositivo que assegurava o aumento do tempo destinado à formação continuada e qualificação dos professores, bem como ao planejamento e avaliação coletiva das atividades escolares.
Os governantes alegaram que esse avanço imporia custos com a contratação de mais professores que não poderiam ser suportados pelo poder público. Mais uma vez foram rápidas e eficientes as reações contra os avanços. Registre-se que o piso salarial nacional propriamente dito, uma antiga reivindicação dos educadores, foi preservado pelo STF. Contudo, convém registrar, também, que esse movimento de reação produziu outro efeito: encorajou certos setores a aumentar o tom de seus ataques contra iniciativas que possam ser consideradas uma ingerência indevida na autonomia dos entes federativos.
Uma ADIN contra a afronta à Constituição face ao vergonhoso quadro da educação
Tais setores argumentam que apesar de ser da União a prerrogativa de fixar as diretrizes da educação nacional, os Estados e os municípios têm autonomia para produzir normas específicas de organização do ensino, já que são eles que executam as políticas de educação básica, mantêm escolas e contratam professores. Autonomia, porém, não é soberania.
E vale lembrar que, com honrosas exceções, os referidos entes federativos, no uso de sua autonomia, não têm sido capazes de oferecer a educação de qualidade a que os brasileiros têm direito.
Em 2009 as tensões provocadas pela nova legislação sobre o magistério podem se ampliar. É que a mesma “Lei do Piso” determina que os sistemas de ensino devem elaborar ou adequar seus planos de carreira dos professores e dá prazo para que essa tarefa fique pronta até o final deste ano. Propostas serão apresentadas, debatidas e, afinal, transformadas em leis estaduais e municipais. Um processo que envolverá, de um lado, tudo aquilo que se sonha e que se sabe sobre as condições indispensáveis para exercer com dignidade o ofício de educar. De outro, os limites materiais, financeiros, administrativos e, sobretudo, os limites políticos que definem os parâmetros e o grau de prioridade atribuído à educação nacional. Esse processo já começou.
O Conselho Nacional de Educação realizou no ano passado três grandes audiências públicas destinadas a colher subsídios para a elaboração das novas diretrizes nacionais da carreira do magistério da educação básica. Foram encontros orientados de modo a garantir a livre expressão das idéias e assegurar que nenhuma proposta fosse previamente condenada ao fracasso ou mutilada por antecipação.
Naturalmente, num ambiente de debate aberto e democrático, muitas propostas foram e continuarão a ser consideradas muito avançadas e inexeqüíveis por uns, acanhadas e insuficientes por outros. Entretanto, alguns pontos já se insinuam essenciais. A nova Resolução do CNE com certeza vai dispor sobre a limitação do número de alunos por sala de aula e sobre a quantidade de estudantes por professor nas diferentes etapas e modalidades da educação básica, por considerar que isso é importante para a condição do magistério e para a qualidade do ensino.
São inaceitáveis classes com 45, 50 alunos e a situação de professores que, ao todo, lecionam para 700 ou 800 estudantes ao longo da semana. Além disso, a nova norma do CNE incentivará que as jornadas de trabalho dos docentes sejam em tempo integral e com dedicação exclusiva a uma única escola. Serão estabelecidos, ainda, critérios para ingresso e evolução na carreira, bases de remuneração, pré-requisitos de formação, processos de aperfeiçoamento profissional e procedimentos para avaliação de desempenho dos educadores e das próprias estruturas educacionais.
Não faltarão indicações sobre a gestão democrática da escola, que provavelmente incluirão orientações sobre a participação dos pais e o modo de escolha dos diretores e outros gestores escolares. As novas diretrizes tratarão desses e de outros pontos com a necessária ousadia e a devida responsabilidade, num esforço para fazer do magistério uma perspectiva profissional e de vida que projete uma opção profissional sedutora para a juventude.
Diante do que se passou nas audiências públicas, já é possível antever o embate que se seguirá, não apenas quanto à própria aprovação da nova Resolução do CNE, mas principalmente, no plano dos Estados e municípios onde leis específicas deverão ser elaboradas. Obstáculos serão apresentados. A crise financeira internacional será desde logo lembrada pelos que, contrários aos avanços, dirão que o momento é infeliz. Outros, ou os mesmos, dirão que tudo isso não passa de mera demanda corporativa. Não faltarão aqueles que, na ausência de outros argumentos, protestarão porque ninguém pensa nos alunos. Estudos e pesquisas brotarão tentando produzir “evidências” de que não há evidência de que melhores condições de trabalho e salário dos professores levam à melhoria desempenho dos estudantes. Lembrarão novamente que certas propostas ferem a autonomia dos entes federativos. E, exclamação fi- nal: são propostas até justas, mas não há recursos para isso!
Se o propósito é melhorar a educação, sabe-se que isso depende exclusivamente de trabalho humano e, assim, de um magistério valorizado. Há dúvidas que essa valorização significa mais investimentos, que isso custa mais? É óbvio que melhorar os salários e aperfeiçoar a jornada dos professores, diminuir o número de alunos por sala de aula e a quantidade de estudantes por professor exige mais esforço e, claro, mais dinheiro. Há duvida que qualidade custa mais caro? O Brasil investe menos de 4% do seu PIB em Educação, o que é muito pouco.
Comparando, é a metade do que é destinado aos bancos com o pagamento do serviço da dívida pública todos os anos. Não é por outro motivo que ostentamos escandalosos índices de analfabetismo, alta evasão escolar, baixo desempenho dos estudantes nas avaliações nacionais e internacionais, escassez de professores, etc...Quando esses fatos são publicados, muitos parecem ficar chocados e exigem providências. Mas quando chega a hora de fazer as contas e detalhar em que consistem os necessários investimentos adicionais, chovem considerações lamentando a falta de recursos, a falta de sorte e o fato de que, afinal, estamos no Brasil.
Evidentemente, é uma questão política cuja solução, claro, não é jurídica. Ou alguém bem que poderia propor uma outra ADIN. Uma ação contra a reiterada afronta à Constituição Federal em face do vergonhoso quadro da educação brasileira. E com pedido de liminar diante dos altíssimos custos sociais, econômicos e ambientais de um ensino público de má qualidade. Quem sabe, por mágica, tudo se resolveria.

Projeto Terra sem Bullying


O bullying, processo repetitivo e constrangedor pelo qual milhares de alunos passam todos os dias nas escolas, é hoje um mal a ser combatido em caráter emergencial. A desinformação generalizada e o medo de diretores e professores de admitir a existência deste fenômeno em suas instituições de ensino têm propiciado o crescimento de atitudes agressivas de alguns alunos que não respeitam as diferenças, tornando-se cidadãos intolerantes e preconceituosos.
bullying possui suas próprias características, e nem todo ato de violência entre pares ocorridos no ambiente escolar pode ser assim denominado (CRAIG 1998; FANTE 2005; NETO 2005; LISBOA 2005). Desta forma, o bullying não é uma categoria específica de violência, mas uma tipologia usada para identificar vários tipos de violência em um determinado grupo de estudantes. 
Nas últimas décadas este fenômeno tem sido pesquisado por diversas áreas. Por meio destas pesquisas sabe-se que a vítima debullying pode desenvolver sérios problemas psicossociais, ocasionando suicídio ou homicídio seguido de suicídio (Ando, 2005; Fante, 2005; Lisboa, 2009; Neto, 2007; Olweus, 1993). O caso mais famoso ocorreu em 1999, na cidade de Columbine, nos Estados Unidos, onde um jovem de 18 e outro de 17 anos mataram 12 colegas e um professor, deixando 23 pessoas feridas e, logo após, se suicidaram. Este incidente inspirou o documentário Tiros em Columbine (2002), do diretor Michael Moore, e Elefante (2003), do diretor Gus Van Sant. Um caso conhecido no Brasil é o do estudante de 18 anos da cidade de Taiuva, interior de São Paulo, em 2004. Ele sofreu agressões durante toda sua vida escolar e as transferiu aos colegas de escola, ferindo oito pessoas e se matando em seguida. 
De acordo com Fante (2005), são inúmeras as formas de violência que nossos alunos brasileiros enfrentam na escola, dentre elas, gozações, humilhações, chantagens, ameaças e intimidações que promovem prejuízos no processo de aprendizagem destes educandos (FANTE, 2005, p. 16).

Na maioria das vezes as vítimas sofrem caladas por vergonha de se exporem ou por medo de represálias dos seus agressores, tornando-se reféns de emoções traumáticas destrutivas, como medo, insegurança, raiva, pensamentos de vingança e de suicídio, além de fobias sociais e outras reações que impedem seu bom desenvolvimento escolar. (FANTE, 2005, p. 16)

Segundo Lisboa (2009), políticas públicas voltadas para combater o bullying ainda são inexistentes no Brasil, embora o fenômeno já seja considerado um problema de saúde pública ocasionando debates em escolas e congressos. A violência nas escolas é um problema social grave e complexo e, provavelmente, o tipo mais frequente e visível da violência juvenil (NETO 2005, p. 165).

Algumas pesquisas confirmam que a escola é palco da violência e que o fenômeno bullying ocorre em todas as partes do mundo (Ando, 2005; Craig, 1998; Columbier, 2006; Constantini, 2004; Fante, 2005; Lisboa, 2009; Neto, 2005; Neto, 2007; Sullivan, 2001). Este é um fenômeno que traz prejuízos irreversíveis para suas vítimas. Devemos considerar alguns fatores de risco na ocorrência do bullying, como os de ordem econômica, social e cultural, aspectos inatos de temperamento e influências familiares, de amigos, da escola e da comunidade (NETO, 2005; p. 166). Lisboa (2009) complementa que as características individuais podem influenciar nos casos de violência entre os pares e na maneira como estes alunos vêem sua escola. 
O sociólogo Adorno (1998) afirma que a falência dos modelos convencionais de controle da violência, e do crime na atualidade, aponta para amplas transformações nas maneiras do sujeito atuar na vida em sociedade. No âmbito das políticas de segurança e das práticas penais, o maior desafio é buscar formas alternativas de contenção da violência. Segundo Cléo Fante (2005), o bullying estimula a delinquência e induz outras formas de violência explícita, produzindo cidadãos estressados, deprimidos, com baixa autoestima e incapacidade de autoaceitação. Assim, este projeto pretende, por meio de uma ação interdisciplinar e participação de toda a comunidade escolar, contribuir para o combate a este fenômeno, suas implicações e consequências trágicas. 
Por tudo isso, o aprofundamento sobre o tema e a compreensão sobre suas manifestações é de suma importância tanto por pais, alunos, professores, funcionários administrativos e moradores da região da Escola Municipal Maria da Terra, para a construção de um processo de relações entre os alunos pautados por princípios éticos, tais como autonomia, solidariedade, amizade, respeito, diálogo, disciplina, cooperação e honestidade.
Objetivos:
Enquanto professor de Educação Física da rede municipal de educação da cidade de Goiânia há vários anos, nos deparamos com atos violentos dos alunos durante as aulas, encarando estas ações como simples atos pertencentes à idade. Essa reação é comum entre os profissionais da educação. Ao assumir o cargo de Coordenador de Turno no período matutino e vespertino em uma escola, foi possível observar que os casos de violência eram repetitivos, e os alunos envolvidos eram sempre os mesmos. Percebemos a necessidade de investigar o fenômeno, propondo soluções práticas para coibi-lo. 
Foi assim que surgiu a idéia de propor mudanças para esta realidade. O Projeto Terra Sem Bullying é coordenado pelo professor Alexandre Malmann e propõe:
  
OBJETIVOS GERAIS 
Favorecer o entendimento do fenômeno bullying por toda a comunidade escolar (pais, alunos, professores, funcionários administrativos e moradores da região) e reduzir o índice de violência na Escola Municipal Maria da Terra.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS 
·         Conhecer as formas e locais mais comuns de ocorrência do bullying na Escola Municipal Maria da Terra e divulgar para a comunidade escolar.
·          Favorecer o entendimento do bullying e suas diferentes manifestações bem como suas principais conseqüências. 
·         Proporcionar um ambiente escolar seguro e motivante, combatendo o preconceito, a discriminação, a repetência e a evasão. 
·         Estimular a participação coletiva, com a interação de alunos, professores, funcionários administrativos e pais de alunos da escola.
·         Identificar, compreender e vivenciar princípios éticos, tais como: respeito, diálogo, disciplina, autonomia, solidariedade, amizade, cooperação, honestidade, etc.
·         Criar um dia (Dia “B” - Dia de combate ao Bullying) para estimular a promoção do projeto Terra Sem Bullying na região onde está a instituição de ensino.
·         Favorecer a participação da comunidade nas decisões para melhoria da escola

Professor Alexandre Malmann
Graduação em Educação Física (UFG).
Mestrando em Sociologia – PPGS/UFG.
Vice-Coordenador do Núcleo de Pesquisas e Estudos Sociologia e Educação (NESE) – UFG.
Idealizador e Coordenador do Projeto Terra Sem Bullying.
Ministra palestras sobre o Bullying em escolas de Goiânia.


sábado, 25 de junho de 2011

Sincronia fraca entre neurônios pode ser a causa do autismo, diz estudo


Um estudo feito com mapeamento de imagens do cérebro identificou um novo marcador para identificar o autismo, que pode se tornar uma forma de diagnosticar a síndrome mais cedo. A descoberta mostrou que o cérebro das crianças com autismo tem menos ligações entre os dois hemisférios.
     Nos dois lados do cérebro, há áreas relacionadas à linguagem. A pesquisa associou a força da sincronização entre essas partes à capacidade de comunicação. Quanto mais fraca a ligação, maiores as dificuldades apresentadas pela criança.saiba mais
     Cientistas brasileiros consertam 'neurônio autista' em laboratório O autismo é uma desordem que evolui com o tempo. Hoje, o diagnóstico é baseado apenas em observação comportamental e só pode ser feito após os três anos. Caso estudos futuros confirmem a recente descoberta, o diagnóstico já poderá ser feito a partir de um ano, com exames de ressonância magnética do cérebro. Naturalmente, a detecção precoce auxiliaria o tratamento.
     “Num cérebro normal, neurônios de áreas separadas pertencentes a um sistema com uma função particular, como visão ou linguagem, ficam sempre em sincronia, mesmo durante o sono. Nosso estudo mostra que, na maioria dos bebês com autismo, essa sincronia é significativamente mais fraca nas áreas responsáveis pelas capacidades de linguagem e comunicação”, afirmou Ilan Dinstein, um dos autores da pesquisa.
      Dinstein é pesquisador do Instituto Weiszman, de Rehovot, Israel, e faz parte também de um grupo de estudos sobre autismo da Universidade da Califórnia, em San Diego, EUA. O artigo foi publicado pela revista médica “Neuron”

Do G1, em São Paulo

Audiodescrição - Portaria MC nº 188/2010


Portaria MC nº 188/2010

PORTARIA No- 188, DE 24 DE MARÇO DE 2010

O MINISTRO DE ESTADO DAS COMUNICAÇÕES, no uso das atribuições que lhe confere o art. 87, parágrafo único, incisos II e IV, da Constituição,

RESOLVE:

Art. 1o O subitem 3.3 e o item 7 da Norma Complementar nº 01/2006 - Recursos de acessibilidade, para pessoas com deficiência, na programação veiculada nos serviços de radiodifusão de sons e imagens e de retransmissão de televisão, aprovada pela Portaria nº 310, de 27 de junho de 2006, passam a vigorar com as seguintes alterações:

"3.3. Audiodescrição: é a narração, em língua portuguesa, integrada ao som original da obra audiovisual, contendo descrições de sons e elementos visuais e quaisquer informações adicionais que sejam relevantes para possibilitar a melhor compreensão desta por pessoas com deficiência visual e intelectual." (NR)"

PRAZOS

"7.1. Os recursos de acessibilidade de que tratam as alíneas "a" e "c" do subitem 5.1 desta Norma deverão ser veiculados na programação exibida pelas exploradoras do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão (RTV) de acordo com o seguinte cronograma:

7.2 O recurso de acessibilidade de que trata a alínea "b" do subitem 5.1 desta Norma deverá ser veiculado na programação exibida pelas exploradoras do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão (RTV) de acordo com o cronograma constante dos subitens 7.2.1 e 7.2.2.

7.2.1 Quando se tratar de geradora cedente de programação ("cabeça-de-rede") licenciada para transmitir com tecnologia digital:

a) no mínimo, duas horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 12 (doze) meses, a contar de 1o de julho de 2010;

b) no mínimo, quatro horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 36 (trinta e seis) meses, a contar de 1o de julho de 2010;

c) no mínimo, seis horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 60 (sessenta) meses, a contar de 1o de julho de 2010;

d) no mínimo, oito horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 84 (oitenta e quatro meses) meses, a contar de 1o de julho de 2010;

e) no mínimo, doze horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 96 (noventa e seis) meses, a contar de 1o de julho de 2010;

f) no mínimo, dezesseis horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 108 (cento e oito) meses, a contar de 1o de julho de 2010;

g) no mínimo, vinte horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 120 (cento e vinte) meses, a contar de 1o de julho de 2010;

7.2.2. Quando se tratar de geradora cedente de programação ("cabeça-de-rede") ainda não licenciada para transmitir com tecnologia digital:

a) no mínimo, duas horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 12 (doze) meses, a contar da data de expedição da respectiva licença para funcionamento de estação digital;

b) no mínimo, quatro horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 36 (trinta e seis) meses, a contar da data de expedição da respectiva licença para funcionamento de estação digital;

c) no mínimo, seis horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 60 (sessenta) meses, a contar da data de expedição da respectiva licença para funcionamento de estação digital;

d) no mínimo, oito horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 84 (oitenta e quatro meses) meses, a contar da data de expedição da respectiva licença para funcionamento de estação digital;

e) no mínimo, doze horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 96 (noventa e seis) meses, a contar da data de expedição da respectiva licença para funcionamento de estação digital;

f) no mínimo, dezesseis horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 108 (cento e oito) meses, a contar da data de expedição da respectiva licença para funcionamento de estação digital;

g) no mínimo, vinte horas semanais, na programação veiculada no horário compreendido entre 6 (seis) e 2 (duas) horas, dentro do prazo de 120 (cento e vinte) meses, a contar da data de expedição da respectiva licença para funcionamento de estação digital;e

7.3. No caso de afiliada ou retransmissora: na data de inicio da transmissão ou retransmissão com tecnologia digital observada, à época, quanto à veiculação dos recursos de acessibilidade de que trata o subitem 5.1, a mesma proporção de horas e o mesmo horário estabelecido para a geradora cedente da programação." (NR)

Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

Hélio Costa


sexta-feira, 24 de junho de 2011

A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO BIOLÓGICO PARA O EDUCADOR


Piaget preconiza que os sistemas cognitivos se desenvolvem sempre no duplo sentido de se diferenciarem de suas bases biológicas mantendo uma coerência crescente com as mesmas. Desse modo, ao compreenderem-se algumas características fundamentais dos sistemas biológicos, estaremos também compreendendo as bases do desenvolvimento cognitivo.

O conhecimento é um evento complexo que não consiste apenas em adquirir e armazenar informações, mas em organizá-las e regulá-las para a solução de problemas. Envolve, além disso, a necessidade de simbolização, imaginação e invenção. Para Piaget [1], as funções mais gerais que caracterizam o organismo, tais como: organização; adaptação e assimilação; conservação e antecipação; regulação e equilibração, também se encontram todas no campo cognitivo e desempenham o mesmo papel. Ele ressalta, porém, que as correspondências entre os caracteres essenciais do conhecimento e as funções orgânicas básicas, apesar de evidentes são parciais, já que o conhecimento supera-os continuamente.
A compreensão da inteligência como um todo não se limita a suas bases biológicas uma vez que ela as ultrapassa à medida que se desenvolve. Simplificando, como muitas vezes ouvi de Fernando Becker [2], as bases biológicas são necessárias, mas não suficientes para o desenvolvimento da inteligência. Assim sendo, podemos nos questionar: afinal, para que serve este tipo de conhecimento aos educadores?
O conhecimento biológico embasa muitas atividades humanas, como a agricultura, por exemplo. Assim, quando observamos uma horta verificamos que os agricultores preparam canteiros diferentes para semear cada tipo de vegetal, pois os canteiros com cenouras e beterrabas devem ter uma terra “mais pobre”, com alto teor de areia, já os canteiros para alface devem ter uma terra “mais rica” com bastante húmus. Além disso, há uma melhor época de semeadura para cada tipo de hortaliça e os agricultores sabem que não basta selecionar as sementes, pois é preciso também preparar a terra já que a qualidade das verduras dependerá da interação entre as sementes e o ambiente em que se desenvolverão. Esses saberes podem ter começado de forma empírica, mas foram sendo aprofundados à medida que avançou o conhecimento científico sobre a biologia das diferentes espécies cultivadas.
Por outro lado, ao lançarmos nosso olhar para o desenvolvimento do ser humano, parece, por vezes, que a sua natureza não é levada em conta para elaboração de algumas propostas pedagógicas. Não é possível aceitar com naturalidade que crianças, adolescentes, jovens e adultos possam detestar a escola. Defendo a tese de que uma melhor compreensão das bases biológicas do desenvolvimento cognitivo é fundamental para reversão deste tipo de quadro, a fim de podermos criar condições mais adequadas à biologia dos educandos e, dessa forma, possibilitar as aprendizagens significativas.
Não se modifica a prática docente sem uma adequada reflexão teórica e este é o objetivo principal dos meus textos, que foram inspirados pelas reflexões de Piaget sobre a biologia do conhecimento.
Existem algumas leis essenciais da vida que regem o desenvolvimento da inteligência, por exemplo, todo ato de conhecimento envolve ações no ou sobre o meio, não sendo possível separar conhecimento de ação do mesmo modo que não se pode separar a vida da interação. Ou seja, a interação é uma lei biológica essencial que rege todos os eventos que ocorrem nos sistemas vivos, entre os quais a inteligência humana, que faz parte da ontogenia ou desenvolvimento do ser humano.
Para Maturana e Varela [3], a ontogenia pode ser descrita como a história da mudança estrutural de uma unidade sem que esta perca sua organização. Esta contínua mudança estrutural ocorre na unidade a cada momento, desencadeada por interações com o meio onde se encontra ou como resultado de sua dinâmica interna. O resultado geral é que a transformação ontogênica de uma unidade não cessa até sua desintegração.
Ainda de acordo com Maturana e Varela, as interações entre organismo e meio sempre apresentam certo nível de perturbações recíprocas. Nestas interações a estrutura do meio apenas desencadeia as mudanças estruturais dos organismos não determinando nem instruindo tais mudanças. Da mesma forma, a atividade dos organismos desencadeia transformações no meio. Como resultado, sempre que a interação seja possível, existirá uma história de mudanças estruturais mútuas.
O acoplamento estrutural com o meio abrange todas as dimensões do organismo desde as interações celulares até a interação dos organismos enquanto unidades num contexto.
Este acoplamento estrutural é tão intenso que, nos sistemas biológicos, as estruturas se tornaram dependentes do funcionamento, se o funcionamento cessa as estruturas são destruídas. Em outras palavras, os organismos vivos devem estar em permanente processo de interação sem o qual sobrevém a morte ou um estado de “não-vida”.
Mesmos nos casos de dormência de sementes, por exemplo, que podem durar muitos anos, há certos processos mínimos de interação, pois quando as condições necessárias surgem, as sementes entram em germinação. De alguma forma, a organização vital da semente mantém-se em contato, ou seja, interagindo com o meio, pronta para mudar de um estado, aparentemente inativo, para um estado de atividade inquestionável.
Este fenômeno de dormência natural em algumas espécies pode, hoje em dia, ser artificializado, para determinados fins, como ocorre com as técnicas de congelamento de embriões de mamíferos. Nestes casos há interações “passivas” do embrião com “seu meio”, que devem ser especialmente selecionadas e mantidas “ativamente” pelos responsáveis pelo processo, pois os embriões devem ser mantidos em determinada temperatura em meios fisiológicos apropriados. Todavia, este é um estado de latência, pois a vida só será “retomada” quando novas interações forem estabelecidas entre os embriões e o meio, quando do seu descongelamento.
Maturana e Varela destacam que a fenomenologia dos organismos biológicos se distingue da fenomenologia física não porque viole suas leis, mas porque os fenômenos que geram ao operar como unidades autopoiéticas dependem de sua organização e do modo como esta se realiza, e não da natureza física de seus componentes.

É graças aos processos interativos que os organismos multicelulares se tornaram possíveis. A realização da autopoiese das diferentes células destes organismos, só ocorre quando estão estreitamente agregadas e para tanto as regulações biológicas são essenciais.

A criação dos organismos multicelulares pode ser considerada uma das experiências mais importantes da evolução. Uma de suas conseqüências, no entanto, foi o surgimento da morte como uma das necessidades da vida. Os organismos unicelulares, que se reproduzem por divisão celular, são potencialmente imortais. Quando uma ameba se divide, nenhuma das células resultantes pode ser considerada ancestral ou descendente, pois são irmãs. Uma ameba morre somente quando é consumida ou sofre um acidente. Porém a morte se torna uma parte essencial da vida para qualquer organismo celular que estabeleça divisão de trabalho entre suas células.

Vê-se que, de um lado, a multicelularidade amplia as possibilidades da vida e, por outro, sua organização deve estabelecer limites para essa vida, que variam de tecido para tecido. Desde a fase embrionária, algumas estruturas devem regredir para a formação de outras, nos processos de reconstrução ou transformação, que caracterizam muitas etapas embrionárias. Surge assim um novo tipo de organização: a limitação da vida.

A morte de certos indivíduos também pode garantir uma melhor sobrevivência de uma espécie. Um bom exemplo é o caso das borboletas multicoloridas, que têm sabor desagradável. Por ser colorida e diferenciar-se bastante do ambiente estas borboletas se tornam presas fáceis dos jovens pássaros, todavia seu sabor é tão desagradável que os pássaros as regurgitam e tendem a não mais provar outra. O indivíduo que participou do aprendizado do jovem pássaro pode ter morrido, mas os demais indivíduos bem como todas as outras espécies com asas de cores semelhantes terão suas chances de sobrevivência ampliadas.

Além da morte, outra característica marcante dos organismos multicelulares é a presença de uma etapa unicelular inicial. É justamente nesta etapa que surgem as maiores variações entre as gerações. A riqueza e variedade dos seres vivos estão intimamente ligadas ao surgimento da reprodução sexual, que possibilita a etapa unicelular do ciclo vital. Surge assim um novo tipo de organização que reúne reprodução com variação: reprodução sexual.

O surgimento da reprodução sexual estabeleceu uma necessária interação entre os indivíduos, que resultou numa rica recombinação estrutural. Este aumento da variabilidade estrutural tornou possível um novo nível de variabilidade multiplicador de linhagens.

Assim, quanto mais níveis de interações existirem num organismo, mais desenvolvida deve ser sua organização a fim de que se mantenha como uma unidade. Toda organização biológica reflete, portanto, a essência da vida como interação e auto-regulação. A organização biológica não implica a redução da riqueza da diversidade entre os seres vivos, pois há muitas possibilidades de dimensionar universos de interação por meio de unidades distintas.

O objetivo da organização biológica é conferir unidade à multiplicidade de células, tecidos e órgãos, que compõem os diversos níveis dos sistemas complexos. Entre tais sistemas destaca-se o sistema nervoso que surgiu como estrutura essencial para organização biológica dos organismos multicelulares, dando ao imenso conjunto de tecidos e órgãos um caráter de unidade em termos de funcionamento integrado. Entretanto, não se pode perder de vista que, ao mesmo tempo em que regula, o sistema nervoso é regulado pelo organismo, embora contenha milhões de células, todas elas são parte de um conjunto a cuja legalidade devem se ajustar.

Ao permitir o advento do comportamento, o sistema nervoso contribuiu de forma decisiva para a ampliação da capacidade de interação dos organismos com o meio, ampliando a percepção sensorial, a atividade motora voluntária, o armazenamento de vários tipos de memória, a atividade consciente e, ainda, no caso do ser humano, a ideação de situações futuras e a imaginação.

No momento em que surgiu como resultado da interação vital e por servir de base biológica para o desenvolvimento cognitivo, o sistema nervoso tornou a interação um elemento essencial à aprendizagem. Assim, o desenvolvimento da inteligência somente se processa através da ação dos sujeitos sobre o meio. A elaboração dos hábitos leva à formação de esquemas mais ou menos encaixados. As estruturas cognitivas não são aleatórias e apresentam uma história. A compreensão destes processos envolve o conhecimento tanto do conjunto dos componentes do sistema quanto das relações entre eles.

Todos os sistemas de conceitos, em todos os níveis de inteligência só funcionam no pensamento em ação, que assegura uma circulação contínua no conteúdo das idéias através de circunstâncias ou de problemas novos.

Piaget ressalta que há duas diferenças básicas entre as funções biológicas e o conhecimento: o grau de sucesso das formas de conservação e a dissociação entre forma e conteúdo. De modo que, com o desenvolvimento da inteligência, vemos na criança uma dissociação progressiva das formas e dos conteúdos, que permite a constituição de uma lógica reflexiva e a possibilidade de imaginação e da ideação do futuro.

Em resumo, o desenvolvimento da inteligência resulta de um tipo especial de adaptação da espécie humana ao meio. Por isso, a reflexão teórica sobre o significado biológico e as conseqüências dessa adaptação contribui para a compreensão desse tema, fornecendo um melhor embasamento ao ato pedagógico.

Por Gladis Franck da Cunha



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