10/04/2013 - Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior*
A nova relação trabalhista ameaça os dois lados.
É inadiável equilibrar as relações do trabalho de uns com
o “capital” finito de outros, essencialmente quando são idosos e pessoas com
deficiência.
Com a Emenda Constitucional
nº 72, de 2 de abril de 2013 (PEC das empregadas domésticas), entendo que os legisladores
e a sociedade conseguirão melhorar a vida de muitos trabalhadores domésticos
antes desvalorizados por patrões “capitalistas selvagens”. Entretanto, é muito
difícil contornar a diferença desprezada pela PEC, ao equiparar o tomador de
serviços “pessoa física” com “pessoa jurídica – empresa lucrativa” em muitos
aspectos. Como decorrência, surgiu um óbvio desequilíbrio e sérias
consequências. Os “empregadores dentro da lei” irão manter trabalhadores
domésticos até onde puderem arcar com as novas obrigações. Fatalmente, muitos
não conseguirão encarar com as exigências. Quero destacar que não cabe
responsabilizar os trabalhadores domésticos pelo desajuste, já que não foi
causado por eles na busca dos direitos trabalhistas presentes no texto
constitucional para outros trabalhadores urbanos e rurais.
Por criação e tradição
familiares sempre remunerei corretamente as pessoas que me prestam serviços
domésticos, pois se trata de trabalhadores assalariados como eu, sempre com
carteira assinada no valor verdadeiro, INSS, férias acrescidas de um terço e
13º salário. Por saber que o trabalho deles contribuiu para minha maior
dedicação aos estudos e à minha carreira profissional, procurava compartilhar
algum adicional conseguido. Essa é prática de relações trabalhistas na qual
acredito.
No momento, minha imensa
preocupação se assenta sobre os cálculos que estou tentando fazer e absorver.
As pessoas idosas, pessoas com deficiência e outras, que precisam de cuidadores
para sobreviver e viver com dignidade, autonomia e independência foram
esquecidas com a nova ordem, como infelizmente acontece. Esses cidadãos não
existem em nenhum artigo, parágrafo ou inciso da nova legislação. Adeus
equiparação de oportunidades, pois sabemos que o elemento de despesa que mais
sobrecarrega o custo adicional da deficiência é a contratação dos serviços dos
cuidadores.
Em média, para não haver
exploração do trabalhador doméstico e do cuidador, uma pessoa que necessita de
24 horas de atenção para as atividades da vida diária como alimentação, asseio,
banho e acompanhamento em outras tarefas, contrata duas a três pessoas que se
revezam em sua casa. De repente, a maneira como a medida historicamente justa
foi tomada desconheceu as consequências para um grupo em desvantagem. Foram
alteradas as regras de contratos existentes e toda a viabilidade de receber o
cuidado. Nas contas a serem feitas, de um lado estão aposentadorias, pensões e
salários minguados dos “patrões dependentes”. O mercado de trabalho no Brasil
rejeita trabalhadores com deficiência ou os contrata, ilegalmente, por salários
abaixo dos demais. Esses “patrões” não podem assumir as tarefas dos cuidadores,
justamente porque os cuidadores existem para lhes atender, com dignidade para
as duas partes, naquilo que é básico: ir ao banheiro (que não tem hora
marcada), receber alimento e um copo de água e apoio em atividades de estudo,
trabalho e lazer. Caso a assistência do cuidador ultrapasse, mesmo que em
poucos minutos, as oito horas diárias, já serão horas extras, adicional noturno
e tudo mais. Mesmo no período diurno, se a pessoa com deficiência ou a idosa
não conseguir “se virar” durante o intervalo de descanso do cuidador, a lei não
irá socorrê-las e mesmo o cuidador que vier em seu auxílio estará infringindo a
lei. Na nova empresa-casa as regras são as do cartão de ponto. Por quê?
Até aqui, tanto para mim,
pessoa com deficiência, servidora pública, que precisa de cuidador, como para
minha sogra de 92 anos, pensionista federal, portanto ambas com recursos que
não acompanham o reajuste do mínimo salário desse país e a inflação, teremos de
pensar imediatamente em outra forma de existir que não seja indecente. Com a
nova equação, não fecham os cálculos para manter o emprego dos cuidadores e a
nossa sobrevivência. Se nos transformássemos em empresas lucrativas, aí sim, a
carga de direitos trabalhistas estaria condizente.
Meu ponto é que não se trata
de usurpar os direitos conquistados tão tardiamente pelos trabalhadores
domésticos. O que percebo como inadiável é equilibrar as relações do trabalho
de uns com o “capital” finito de outros, essencialmente quando são idosos e
pessoas com deficiência, os quais não se caracterizam por ter rendimentos altos
nem serem exploradores de ninguém. A alternativa será a institucionalização
dessas pessoas em casas de repouso e abrigos? Não seria mais humano e solidário
aproveitar o debate e resgatar aqueles que não conseguem “pagar” de forma
alguma?
Sem a mediação do Estado e
da sociedade, que não pensaram no caso de cuidadores e naqueles que dependem de
sua presença, o cobertor curto vai desfavorecer os dois lados. É urgente a
instituição de política pública que ofereça serviços de cuidadores e outras
boas alternativas. Com a palavra os órgãos de promoção dos direitos das pessoas
idosas e das pessoas com deficiência.
Referências: EM nº 72, de 2 de abril de 2013,
disponível emwww.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc72.htm,
acesso em 08/04/2013.
* Médica fisiatra e docente da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Consultora em inclusão social,
políticas públicas e acessibilidade. Foi coordenadora da CORDE e Secretária
Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência de 2002 a 2010.
Fonte: http://arivieiracet.blogspot.com.br/